quinta-feira, 3 de outubro de 2013

POEMA Nº 129 - A PALAVRA COME O POETA...

Estou enveredado de goma. Remexo minha casa de farinha de palavras. Torrada, quente e encharcada de desejo, a palavra amor aceita o fogo que a devora sôfrego, querendo tê-la num imenso tacho de aventuras em grãos de pó. Na casa de farinha de palavras, todas se parecem, na frigideira incandescente das emoções. Na boca, todas únicas. Nas mãos, cada uma pega um prato, um atalho, um desvio, uma caneta. Outras são de lápis. Outras são de puro carvão. Outras são apenas de papel. Outras, colam-se em água de lágrimas, porque estas precisam do tempero do sal dos olhos. Mas todas são pra se comer. Comestíveis. Deliciosamente cheias de apetite. Na verdade, o apetite devorador é da palavra. A palavra come o poeta. Às vezes, se engasga com ele, outras, mata-o de vil tesão. Porque é só a palavra que tem filhos de todos os homens sem se deitar com nenhum. Quando se deita com o poeta, recém- lavada de leveza da casa de farinha do peito, quer ser a mãe do que o poeta não tem. Ou quer ser sua amante para sempre. Ou quer matá-lo em sua indumentária de raiz. Poeta e palavra se comem. Nada de antropofagia. Grudação de amorês. Um no outro pra sacudir a poeira que o outro trouxe da mesma terra e do mesmo tacho. É assim. E só.



Autoria: Fernando Coelho
Imagem: Toca da Morgana
(1)

2 comentários:

  1. Um belo texto! A palavra é a arma secreta do poeta. É através dela que o poeta se rebela e se revela ao mundo.

    ResponderExcluir
  2. A palavra come o poeta e o poeta devora a palavra...

    ResponderExcluir

Seu comentário é muito importante para mim! Obrigada por comentar!